Olga Teixeira
Olga Teixeira
02 Fev, 2024 - 10:49

Resolução alternativa de litígios: como evitar ir a tribunal

Olga Teixeira

A resolução alternativa de litígios permite poupar tempo e dinheiro. Saiba quando e como pode recorrer a estes meios que evitam o recurso ao tribunal.

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Quando os conflitos surgem, a resolução alternativa de litígios pode ser a solução para evitar o desgaste, custos e as demoras associadas aos processos em tribunal. Embora nem todos os desacordos possam ser resolvidos desta forma, há circunstâncias em que podem ser uma boa alternativa aos tribunais tradicionais.

Recorrer à resolução alternativa de litígios, além de ser mais barato, exige também menos burocracia, simplificando processos que, de outra forma, seriam bastante mais morosos.

Muitas vezes, por desconhecimento, ou por receio que estas formas de resolução não tenham o mesmo valor do que uma decisão do tribunal, este tipo de recursos não são considerados. No entanto, abrangem uma grande variedade de conflitos, pelo que podem ser uma solução para muitos casos.

Existem três formas de resolução alternativa de litígios: a arbitragem, os julgados de paz e a mediação.

As 3 formas de resolução alternativa de litígios

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Arbitragem

Os centros de arbitragem podem ser usados para resolver conflitos tão distintos como reclamações contra entidades do Estado, questões relacionadas com seguros ou com consumo.

Podem fornecer informações ou fazer mediação e conciliação às pessoas em conflito. Se a mediação não resultar, e não existindo acordo, é possível recorrer à arbitragem, que decorre num tribunal arbitral.

As sentenças destes tribunais têm o mesmo peso que uma sentença emitida por um tribunal judicial. Se não for cumprida, a outra parte pode avançar para um tribunal de primeira instância para que seja executada.

A arbitragem pode ser usada quer para resolver conflitos que já aconteceram quer para evitar conflitos que possam surgir no futuro, incluindo, por exemplo, uma cláusula num contrato.

Estes processos são, normalmente, rapidamente resolvidos. Nos centros de arbitragem apoiados pelo Ministério da Justiça os prazos rondam os dois ou três meses, enquanto nos restantes não ultrapassam um ano.

Como funciona?

As duas partes entregam o litígio para apreciação de um elemento neutro e imparcial, o Juiz Árbitro, escolhido pelas partes ou designado pelo Centro. 

No entanto, e para que o conflito possa ser entregue a este meio de resolução alternativa de litígios, é necessário que a vontade e a adesão sejam comuns a ambas as partes.

A exceção são os conflitos de consumo de valor reduzido (isto é, com um valor igual ou inferior a cinco mil euros). Neste caso, e se essa for a vontade do consumidor, o conflito será obrigatoriamente resolvido neste centro.

O custo é mais baixo do que o recurso aos tribunais e, em caso de rendimentos baixos, é possível pedir apoio judiciário. Embora as partes se possam representar a si próprias, podem, caso desejem, fazer-se acompanhar por advogado.

Centros de Arbitragem apoiados pelo Ministério da Justiça

Existem 11 centros de arbitragem apoiados pelo Ministério da Justiça por abrangerem áreas importantes do ponto de vista social e reconhecido interesse público.

Por exemplo, podem tratar de conflitos de consumo, relacionados com o setor automóvel, seguros, propriedade industrial e arbitragem administrativa e tributária.

I. Arbitragem no Consumo

Existem sete centros de arbitragem de consumo que atuam, cada um, numa área geográfica limitada e um que abrange as áreas não incluídas nos centros anteriores.

O objetivo é a resolução de conflitos de consumo, ou seja, os que possam resultar da compra de bens ou serviços por um consumidor e que não se destinem a uso profissional.

Nestes centros podem ser tratados conflitos relacionados, por exemplo, com vendas agressivas, prestação de serviços de telecomunicações, compra de pacotes de férias ou litígios relacionados com correio e encomendas. 

II. Arbitragem nos setores automóvel e segurador

A existência de conflitos relacionados com o setor automóvel e seguros é bastante comum e, por isso, foram também criados centros de arbitragem específicos para estas áreas.

O Centro de Informação, Mediação, Provedoria e Arbitragem de Seguros (CIMPAS) está habilitado para conflitos entre o segurado e o segurador, o mediador ou corretor de seguros.

O CIMPAS resolve situações relacionadas com vários tipos de seguros, incluindo seguros de vida, de saúde ou do ramo automóvel. Por exemplo, questões que possam surgir de acidentes de viação – exceto os que tiverem como consequência morte e incapacidade permanente.

Já o Centro de Arbitragem do Setor Automóvel pode ser a solução para resolver litígios relacionados com a compra e venda de carros novos ou usados, serviços de reparação automóvel, revenda de combustíveis, óleos e lubrificantes, compra e venda de peças, etc.

III. Arbitragem para a Propriedade Industrial, Nomes de Domínio, Firmas e Denominações

Marcas, patentes ou nomes de firmas estão muitas vezes na origem de conflitos, que podem ser resolvidos recorrendo ao ARBITRARE.

Este centro abrange situações entre dois ou mais particulares e entre um particular e as entidades competentes para registar marcas, patentes e firmas e endereços de domínio .pt. 

A utilização, por parte de outra empresa, de patente registada ou de um nome de domínio igual a uma marca previamente registada por outra pessoa, direitos de propriedade industrial entre medicamentos de referência e genéricos são alguns exemplos de conflitos que podem ser resolvidos no ARBITRARE.  

IV. Arbitragem Administrativa e Tributária

Cabe ao Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) decidir sobre litígios relacionados com a função pública. Por exemplo, quando um funcionário discordar de uma sanção disciplinar que lhe tenha sido aplicada.

Esta entidade está também habilitada para resolver discordâncias entre contribuintes e a Autoridade Tributária (AT). Imagine, por exemplo, que discorda do valor que foi atribuído à sua casa para efeitos de IMI. Pode recorrer ao CAAD para resolver este conflito.

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Julgados de paz

Outro meio de resolução alternativa de litígios são os julgados de paz, locais onde podem ser tratados, por exemplo, conflitos ligados a contratos, propriedade e consumo.

O processo inicia-se quando as duas partes concordam com a intervenção de um mediador atribuído pelo Ministério da Justiça, que pode orientar os intervenientes para uma solução conveniente para ambos.

Caso a mediação não seja suficiente para encontrar uma solução, o caso passa para um juiz de paz, que tentará também a obtenção de um acordo.

Se intervenção do juiz não conseguir sanar o conflito, a fase seguinte é o julgamento, que decorre de uma forma bastante semelhante ao que se passa num tribunal. As partes são ouvidas, são apresentadas provas e, com base nisso, o juiz emite uma sentença. E esta decisão tem a mesma validade das que resultam de um julgamento tradicional.

Se o conflito tiver um valor igual ou superior a 2.500 euros e uma das partes não concordar com a sentença, pode avançar para um tribunal de primeira instância e pedir a revisão da decisão.

Existem, no entanto, algumas condições para que seja possível recorrer ao Julgado de Paz. Uma delas é que as ações não podem ter um valor superior a 15 mil euros. Além disso, um juiz de paz não pode intervir em questões relacionadas com família, heranças ou questões laborais.

O que pode ser resolvido num Julgado de Paz?

Os julgados de paz podem servir, por exemplo, para que sejam cumpridas obrigações (exceto pecuniárias) relacionadas com contratos de adesão ou para a entrega de coisas móveis, como por exemplo documentos.

Também é possível recorrer aos julgados de paz para resolver conflitos relacionados com direitos e deveres dos condóminos ou entre proprietários de prédios.

Questões relacionadas com arrendamento urbano – por exemplo, uma ação de condenação para pagamento das rendas – ou que digam respeito ao incumprimento civil contratual também podem ser tratadas nestes locais. 

Custo e prazo de resolução

O recurso aos julgados de paz tem uma taxa única, no valor de 70 euros, que, em princípio, deve ser paga pela parte vencida, a não ser que o juiz decida dividir esse montante entre cada um dos intervenientes.

Se as duas partes chegarem a um acordo durante a mediação, cada uma paga 50 euros. No entanto, e caso existam dificuldades económicas, é possível recorrer ao apoio judiciário. 

A duração média de um processo neste meio de resolução alternativa de litígios é de seis meses.

As duas partes devem comparecer pessoalmente e cada uma pode expor oralmente o seu caso. O recurso a um advogado ou solicitador é permitido, mas só se torna obrigatório nos casos previstos na lei e quando exista recurso da sentença.

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Mediação

A resolução alternativa de litígios também pode passar pela mediação, que procura incentivar a comunicação entre as partes para que seja encontrada uma solução. No entanto, só é possível avançar para a mediação com a concordância de ambas as partes.

A mediação ajuda as pessoas em conflito a comunicarem e encontrarem uma solução para a situação, em vez de levarem o caso a tribunal. 

O papel do mediador é diferente do que é atribuído aos juízes nos julgados de paz e centros de arbitragem, já que não tem poder para decidir. A sua missão é facilitar e incentivar a comunicação, promovendo um acordo. 

A decisão deve ser tomada pelas partes em conflito. Além disso, o conteúdo das sessões de mediação é confidencial e não pode ser usado como prova em tribunal.

Existem vários sistemas públicos de mediação geridos pela Direção-Geral da Política de Justiça (DGPJ) em nome do Ministério da Justiça.

Sistema de mediação familiar

Está disponível em todo o país, servindo para mediar conflitos relacionados, por exemplo, com responsabilidades parentais, divórcio e separação de pessoas e bens, atribuição e alteração de alimentos, atribuição de casa de morada da família, entre outras relacionadas com questões familiares.

Para iniciar um processo de mediação familiar é necessário que as partes em conflito, por iniciativa própria ou por ordem do juiz, aceitem a intervenção de mediação. É, então, agendada uma primeira sessão, em que são explicadas as regras, direitos e deveres. No final, e após ter sido comprovado o pagamento, é assinado o protocolo de mediação. 

Nas sessões que se seguem, e que serão as necessárias até que se chegue a um acordo, as partes podem escolher se querem estar sozinhas ou se preferem fazer-se acompanhar por um advogado ou solicitador. 

O serviço de mediação familiar, e independentemente do número de sessões, custa 50 euros a cada uma das partes. Se for o juiz a decidir a mediação ou se for dado apoio judiciário, não é necessário pagar. 

O prazo para a conclusão do processo é de três meses, mas, se o mediador e as partes acordarem, pode ser pedido um prolongamento do prazo à DGPJ. No entanto, e em média, a resolução para o conflito não costuma demorar mais de dois meses.

A mediação pode ser interrompida a qualquer momento, quer por iniciativa do mediador, quer pelas partes.

Para que os acordos obtidos através de mediação iniciada pelas partes possam ser válidos em tribunal, é necessário que sejam homologados pelo juiz ou apresentados numa conservatória (apenas nos casos em sede de acordo de divórcio).

Sistema de mediação laboral

Este sistema reúne mais de 80 entidades, incluindo associações setoriais e grandes empresas. 

O Sistema de Mediação Laboral (SML) funciona apenas em Portugal Continental e é uma forma de resolução alternativa de litígios laborais, como por exemplo: a redução da carga horária e vencimento por parte do empregador, a recusa do trabalhador em prestar trabalho suplementar, a recusa de formação profissional, entre outras. 

O processo inicia-se por uma das partes (empregador e trabalhador) ou por decisão de um juiz no decurso de uma ação judicial. Neste caso, porém, é necessário que as partes em conflito concordem. 

Após a sessão inicial e informativa, são realizadas as que forem necessárias para que seja alcançado um acordo. O custo desta mediação é de 50 euros, independentemente do número de sessões efetuadas. No entanto, pode ser pedido apoio judiciário.

Em média, estes processos ficam resolvidos em 28 dias, mas há um prazo limite de três meses para a conclusão. Este pode ser prolongado caso o mediador e as partes concordem.

O acordo é escrito e assinado. Se não existir consenso, o processo pode seguir para tribunal. No entanto, as reuniões da mediação laboral são confidenciais e não podem ser usadas em tribunal.

Sistema de mediação penal

Está disponível nas comarcas do Barreiro, Braga, Cascais, Coimbra, Loures, Moita, Montijo, Porto, Santa Maria da Feira, Seixal, Setúbal e Vila Nova de Gaia. Há ainda Sistema de Mediação Penal nas comarcas-piloto de Alentejo Litoral, Baixo Vouga e Grande Lisboa Noroeste.

Para que seja possível recorrer a este meio de resolução alternativa de litígios, é necessário:

  • a existência de um processo-crime;
  • que os crimes dependam de acusação particular ou de queixa;
  • que estejam em causa crimes contra as pessoas ou contra o património, puníveis com pena de prisão até cinco anos ou pena de multa;
  • que não sejam crimes contra a liberdade ou contra autodeterminação sexual;
  • que o ofendido tenha pelo menos 16 anos;
  • que não seja uma forma de processo especial.

Assim, é possível recorrer à mediação penal para resolução alternativa de litígios em casos como ofensa à integridade física simples ou por negligência, ameaça, difamação, injúria, violação de domicílio ou perturbação da vida privada, furto, abuso de confiança, dano, alteração de marcos, burla, burla para obtenção de alimentos, bebidas ou serviços e usura.

Como funciona?

Durante a fase em que está a ser investigada a prática de um crime (a fase de inquérito), o arguido e o ofendido podem pedir, de forma voluntária e por mútuo acordo, que o Ministério Público envie o processo para mediação penal. A decisão também pode partir do Ministério Público, mas terá de ter sempre a concordância das duas partes. Caso contrário, o processo avança pela via judicial.

As sessões de mediação são gratuitas e não é necessário que as partes contratem advogado.

Depois de iniciado o processo, este dever ser concluído em três meses. O prazo pode ser prolongado se o mediador entender que existe a possibilidade de acordo, mas este prolongamento não pode ser superior a dois meses.

O acordo a alcançar não pode incluir sanções que impliquem a privação de liberdade, deveres que ofendam a dignidade do arguido ou que se prolonguem por mais de seis meses. Um acordo pode significar, por exemplo, um pedido de desculpas, o pagamento de uma quantia ou a reconstrução ou reparação de danos.

Este acordo tem de ser revisto pelo Ministério Público, que verifica a sua legalidade. Caso concorde, o processo de mediação penal termina. Isto equivale a uma desistência de queixa por parte do ofendido e à não oposição do arguido.

Se o acordo não for cumprido no prazo determinado, a queixa pode ser renovada e o inquérito volta a ser aberto. 

Artigo originalmente publicado em julho de 2020. Última atualização em fevereiro de 2024.

Fontes

Veja também