Ekonomista
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17 Ago, 2020 - 15:47

Morreu Nicha Cabral, o primeiro português a correr na Fórmula 1

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Quis o destino que o ano em que a F1 regressa a Portugal fosse o derradeiro do 1º português a correr na modalidade. Nicha Cabral deixou-nos aos 86 anos.

Nicha Cabral

Nascido em Cedofeita, Porto, em 1934, Mário Manuel Veloso de Araújo Cabral, mais conhecido no mundo do desporto motorizado como Nicha Cabral, faleceu esta madrugada, a 17 de Agosto. Tinha 86 anos.

O ex-piloto teve uma vida repleta de sucessos, quer pessoais, quer desportivos, mas marcada nos últimos anos por vários problemas de saúde. Deixa um enorme legado de fãs e seguidores, não só em Portugal, mas pela Europa fora.

nicha cabral: uma vida dedicada ao desporto automóvel

Nicha Cabral
Nicha Cabral foi o 1º piloto a correr com pneus Goodyear na história da Fórmula 1. Fotografia da página de Facebook do piloto.

Foi o primeiro português a participar numa prova de Fórmula 1. Estreou-se no campeonato em 1959, precisamente no 2º Grande Prémio de Portugal, que foi disputado no circuito de Monsanto, em Lisboa, terminando em 10.º lugar, ao volante de um Cooper – Maserati.

Nicha Cabral viria ainda a participar em mais quatro provas da categoria raínha. Voltou no ano seguinte a competir no Grande Prémio de Portugal, desta feita no circuito da Boavista, mas não completou a prova.

Em 1963, e após ter cumprido serviço militar em Angola, Nicha Cabral retorna à F1 e qualifica-se para o Grande Prémio da Alemanha, em Nurburgring, mas a sorte não lhe sorri e problemas mecânicos impedem que termine a prova. No mesmo ano, no GP de Itália, em Monza, o piloto portuense não conseguiu a classificação para a prova e não participou na corrida principal.

Em 1964, o derradeiro ano do piloto na Fórmula 1, e já a correr pela Derrington-Francis Racing Team, Nicha Cabral consegue qualificar-se para o GP de Itália, mas mais uma vez, não terminou a prova.

Jack Brabham: o homem que nunca esqueceu Nicha Cabral

O falecido tri-campeão mundial (1959, 1960 e 1966), o australiano Jack Brabham nunca esqueceu Nicha Cabral nem o Grande Prémio de Portugal de 1959, mas não pelas melhores razões… Apesar de

“Ele estava a discutir o primeiro lugar com o Moss. Íamos na autoestrada a entrar em Monsanto, olhei por um dos retrovisores e vi o nariz do carro dele a aproximar-se. Pensei ‘Olha, vai ultrapassar-me nesta reta’ e cheguei-me à direita para ele ter espaço à esquerda. O que é que ele pensou? O contrário! Quando ele percebeu que eu já não ia para a esquerda, era tarde de mais. Sem espaço para entrar por fora naquela curva, foi de frente e bateu no vértice do triângulo. Ficou ali e eu continuei. Nas boxes, terminada a corrida, veio falar comigo. Estava furioso, a protestar. ‘Why don’t you break sooner?’ perguntou-me ele. ‘A culpa foi tua, não saí da minha trajetória. E mais, dei-te o espaço para avançares à vontade. Ninguém tem culpa que tu penses mal’. Sabe uma coisa? Nunca mais se esqueceu de mim. Anos depois, escreveu as suas memórias: ‘Não acabei o Grande Prémio de Portugal em 1959 por causa de um ‘very dangerous local boy’”, contou Nicha Cabral numa entrevista ao jornal I em 2012.

O acidente de Fórmula 2 que podia ter sido o fim de Nicha Cabral

Nicha Cabral

Corria o ano de 1965 quando Nicha Cabral, arredado da Fórmula 1 por questões financeiras, disputava o campeonato de Fórmula 2, quando no Grande Prémio de Rouen, só não morreu “por milagre”, recorda.

“Fiquei arredado da Fórmula 1 porque tive um acidente grave em Rouen no ano de 1965. Não morri por milagre. Despistei-me, dei duas voltas e fui parar à mata. O carro embateu numa árvore, partiu-se em dois e eu aterrei numa zona de silvas, que me ampararam o golpe. Saí todo picado, com 17/18 fraturas. Estive seis meses num hospital em Rouen, onde uma enfermeira salvou-me da morte com embolia pulmonar. Ela estava sempre ao meu lado e tinha a injeção pronta. Salvou-me a vida às duas e quatro da manhã. Só voltei a correr em 1967 ou 1968, em Monsanto. Ganhei a corrida com um Porsche Carrera. Aí, entusiasmei-me outra vez. Fórmula 1 nunca mais, por falta de verbas também. No fundo, tive sorte e azar. Não levava aquilo a sério. A Fórmula 1 não era o circo de agora e não tinha um manager. Tinha uns amigos e tal. Mas gostei da aventura.”

Nicha Cabral: a vida depois de “pendurar o capacete”

Depois de ter abandonado as pistas, Nicha Cabral assumiu funções como consultor da Formula Ford em Portugal, ajudando a dinamizar a escola de pilotos no Circuito de Estoril.

Foi responsável por ajudar a carreira de pilotos de renome em Portugal, como Pedro Matos Chaves ou Pedro Lamy, que atingiram também chegaram à Fórmula 1.

Até sempre, “Nicha”.

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