Inês Silva
Inês Silva
18 Nov, 2020 - 11:39

Medição da temperatura no trabalho: esclareça todas as dúvidas

Inês Silva

Medição da temperatura no trabalho é uma das medidas do novo Estado de Emergência decretado em contexto de pandemia da COVID-19.

pessoa a medir a temperatura a funcionária na chegada ao trabalho

Face ao aumento do número de casos de infeção por COVID-19 em Portugal, foi decretado, a 6 de novembro, um novo Estado de Emergência pelo Presidente da Républica. A medição da temperatura no trabalho é uma das medidas determinada pelo Conselho de Ministros.

Além da proibição de circulação na via pública entre as 23h00 e as 06h00 em dias de semana e a partir das 13h00 aos sábados e domingos, medida inicialmente aplicada a 121 concelhos e depois a 191 com risco elevado de transmissão da COVID-19, o Conselho de Ministros determinou também a possibilidade de realizar medições de temperatura corporal por meios não invasivos.

São considerados concelhos de risco aqueles em que o número de casos é igual ou superior a 240 por 100 mil habitantes nos últimos 14 dias.

MEDIÇÃO DA TEMPERATURA NO TRABALHO E OUTROS ESPAÇOS PÚBLICOS

medição da temperatura no trabalho a trabalhadora

De acordo com a informação do Conselho de Ministros, em relação às medidas do novo Estado de Emergência, é possível realizar medições de temperatura corporal por meios não invasivos no acesso a:

  • Locais de trabalho;
  • Estabelecimentos de ensino;
  • Meios de transporte;
  • Espaços comerciais, culturais e desportivos.

A esta informação foi acrescentado também que

“no caso da recusa de medição de temperatura corporal ou nos casos em que a temperatura corporal for igual ou superior a 38.º C pode determinar-se o impedimento no acesso aos locais mencionados”.

A publicação do Conselho de Ministros alerta ainda:

“a medição de temperatura corporal não prejudica o direito à proteção individual de dados”.

Esta frase não é por acaso, pois não é primeira vez que se fala em medição da temperatura no trabalho em contexto de pandemia COVID-19 e proteção de dados.

Em abril, a Comissão Nacional de Proteção de Dados (CNPD) fez uma série de recomendações em relação os direitos dos trabalhadores e das empresas, entre as quais diz que as empresas não podem medir a temperatura dos trabalhadores, exceto com determinadas condições.

Continue a ler e recorde os argumentos apresentados pelo Governo, CNPD e Ordem dos Advogados.

MEDIÇÃO DA TEMPERATURA NO TRABALHO: O QUE FOI DITO EM ABRIL

Aquando da primeira vaga, em relação ao combate à COVID-19 e direitos dos trabalhadores, o Governo publicou, no final de abril, um comunicado com esclarecimentos sobre esta medida, justificando que

“o Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social considera que, no atual contexto de saúde pública, e concretamente no plano da proteção de dados pessoais, não se afigura inviável a medição da temperatura corporal, desde que não seja guardado qualquer registo da mesma”.

Nesse mesmo comunicado foi referida a clarificação da medida

“por via legislativa, salvaguardando o respeito integral dos direitos de personalidade dos trabalhadores, nos termos do artigo 19.º do Código do Trabalho, e os princípios da necessidade, proporcionalidade e adequação”.

Este artigo do Código do Trabalho decreta que

“para além das situações previstas em legislação relativa a segurança e saúde no trabalho, o empregador não pode, para efeitos de admissão ou permanência no emprego, exigir a candidato a emprego ou a trabalhador a realização ou apresentação de testes ou exames médicos, de qualquer natureza, para comprovação das condições físicas ou psíquicas, salvo quando estes tenham por finalidade a proteção” e segurança do trabalhador ou de terceiros, ou quando particulares exigências inerentes à atividade o justifiquem, devendo em qualquer caso ser fornecida por escrito ao candidato a emprego ou trabalhador a respetiva fundamentação”.

Foram ainda salientadas, no esclarecimento do Governo, as diversas circunstâncias nas quais o tratamento destes dados é compatível com a legislação europeia e nacional, nomeadamente:

  • Quando é expressamente consentido pelo trabalhador;
  • Realizado de forma sigilosa;
  • Necessário por motivos de proteção da saúde pública;
  • Com objetivo de proteção e segurança do trabalhador e/ou de terceiros.

Na altura, sobre este tema, a Ministra da Saúde, Marta Temido, recomendou, na conferência de imprensa diária realizada a 26 de abril, “que os trabalhadores devem ter o cuidado de medir duas vezes ao dia a sua temperatura corporal”.

A Ministra salientou que, além da responsabilidade individual de cada trabalhador, a medição da temperatura corporal por parte da entidade patronal deve ser feita com “o consentimento expresso do trabalhador e que o controlo tem de estar sujeito a dever de confidencialidade”.

Medição da temperatura do trabalhador: a posição da CNPD em abril

A Comissão Nacional de Proteção de Dados (CNPD) fez, na altura, uma série de recomendações em relação os direitos dos trabalhadores e das empresas, entre as quais dizia que as empresas não podiam medir a temperatura dos trabalhadores, exceto com determinadas condições.

A CNPD reconheceu que se viviam tempos de exceção que justificavam “alterações profundas no contexto da prestação do trabalho e da relação empregador-trabalhador”. Contudo, considerava que “a necessidade de prevenção de contágio pelo novo coronavírus não legitima, sem mais, a adoção de toda e qualquer medida por parte da entidade empregadora.”

Naturalmente que, prevenir a contaminação, legitima a intensificação de cuidados de higiene dos trabalhadores, tal como a adoção de medidas da entidade empregadora em relação à distribuição no espaço dos trabalhadores ou à sua proteção física, e algumas medidas de vigilância, conforme o estabelecido nas orientações da Direção-Geral da Saúde.

“Mas já não justifica a realização de atos que, nos termos da lei nacional, só as autoridades de saúde ou o próprio trabalhador, num processo de auto-monitorização, podem praticar. Na realidade, o legislador nacional não transferiu para as entidades empregadoras uma função que é exclusiva das autoridades de saúde, nem estas delegaram tal função nos empregadores”.

A comissão considerou, assim, que uma entidade empregadora não pode “proceder à recolha e registo da temperatura corporal dos trabalhadores ou de outra informação relativa à saúde ou a eventuais comportamentos de risco dos seus trabalhadores”. Pois o conhecimento público destes pode gerar discriminação e preconceito contra os trabalhadores visados.

A medição da temperatura corporal no trabalho, de acordo com a CNPD, apenas poderia ser feita por profissional de saúde no âmbito da medicina do trabalho para avaliar o estado de saúde dos trabalhadores e obter as informações que se revelem necessárias para avaliar a aptidão para o trabalho, nos termos gerais definidos na lei da segurança e saúde no trabalho.

Medição da temperatura do trabalhador: em abril, a Ordem dos Advogados, dizia ser ilegal

Luís Menezes Leitão, bastonário dos Advogados, numa entrevista à Rádio Renascença, dizia que, de acordo com o Código do Trabalho, “as empresas não podem medir a temperatura dos trabalhadores para detetar COVID-19”.

Citado pela Renascença, sobre o consentimento e confidencialidade, Luís Menezes Leitão afirmou que não se pode, “num quadro de uma relação em que há uma entidade mais forte como o empregador, estabelecer que o consentimento do trabalhador resolve o problema”.

“A parte mais fraca acaba sempre por consentir, sob pena de poder perder o emprego e ser sujeito a ameaças respetivas. Por isso é que existe a lei para controlar este tipo de situações”, acrescentou.

As declarações do bastonário dos Advogados à rádio foram, assim, idênticas às considerações feitas pela CNPD, não havendo legitimidade das empresas para fazer esta medição.

Novo Estado de Emergência decretado em novembro

Em relação às posições acima, é preciso ter presente que estas considerações sobre a medição da temperatura no trabalho foram feitas em abril, durante a primeira vaga e numa altura em que os números de casos de infeção por COVID-19 e as cadeias de contágio era bem inferiores, ao contrário do que agora sucede neste novo Estado de Emergência decretado a 6 de novembro.

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